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sábado, 28 de setembro de 2013

A máscara do palhaço



Quantos palhaços existem em nossa sociedade! Uns portam máscaras diárias; outros, já acostumaram com as rugas da testa, a pintura desleixada e os dentes encardidos pela falta de tempo e dinheiro para escová-los.

Os palhaços espalhados pelos sinais são tragicamente engraçados, pois eles, como ninguém, sabem exprimir a banalidade da sociedade e mostrar que seu trabalho não é meramente fazer rir, realizar piruetas, brincar com os tons e provocar as notas musicais, mas também fazer sangrar, de forma tragicômica, os devaneios irreais de uma sociedade alienada, que está mais para a teoria do consumo "consumo, logo sou" que para o entendimento das problemáticas políticas, sociais, econômicas, ecológicas e culturais que são pautas diárias não só em âmbito nacional, mas mundial, e que se mostram um problema de todos os indivíduos.

Mas, como não se sentir importante e impotente ao mesmo tempo, diante da crítica singela de um palhaço, que quando arregaça o sorriso sobram uns dentes desmedidos dentro da boca, sem estética, que mostram apenas a condição miserável de mais um ser humano que povoa o planeta terra?

Seus braços malabarísticos desnudavam uma poesia inquieta, sem soluções para o mundo, apenas cantando a triste condição humana de um palhaço, somente entendido pela construção fatídica poética, que narra o ato e a posição das coisas, não somente com a fala, mas com o próprio sangue dos personagens que descobrem no perambular das suas noites a triste história dos seus dias reais.

Poesia é coisa séria
pois entre o sangrar, cantar e encantar
ela arrasta e desnuda
o coração e a alma

do palhaço solitário
engraçado e sorridente
da boca desenhada
quase sempre branco e vermelho

seria seu o sangue
ou a paz não encontrada
seria porventura palhaço
suas dores e redenção

embalar a pobreza
a dor o desassossego
a fome dos dias
a companhia incerta das ruas

contar sua história
e beber do seu vinho
puro sangue decantado
vermelho espesso

com humor
desalinho
tristeza no olhar
coisa que só  palhaço sabe fazer


***

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Um canto gauchesco para uma despedida

Ouvimos o canto gauchesco num cenário que mais parecia preparado para a alegria de brindar a despedida de alguém que trabalhava naquele ambiente do "bem receber" há muito tempo.

Foi num tom emocionante, com os instrumentos no ritmo, a orquestra jovem afinada, seu maestro em plena dedicação para homenagear não só o Dia do Turismólogo, mas em especial a todos que estavam assistindo, pois era uma apresentação para as pessoas que estavam ali a aplaudir cada música que o grupo encenava, com vozes e atos em sintonia perfeita. A equipe, a escutar a música que dançava em seus ouvidos, compreendia que era mais do que uma apresentação - sobretudo uma demonstração de carinho e amizade pelo tempo que passaram juntos.

Nos olhos de cada um pude ver palavras que queriam saltar, mas nunca nos sentimos bem diante de um tchau, um adeus ou uma despedida com palavras! Porque elas oprimem o que está dentro de nós ou se libertam com muita força. Eis o poder das palavras... mas nem sempre é bom conviver com elas atadas na garganta. Costumamos nos sentir melhor quando falamos das nossas histórias, e mais ainda o que pensamos a respeito de tudo.


Os caminhos são infinitos para nós seres humanos que sonhamos, temos planos e objetivos, e que temos pouco tempo para viver tudo intensamente, completamente. Nossas escolhas na maioria das vezes definem rotas interessantes quando queremos – mesmo que tenhamos que mudar de cidade, ou país, ou nos aventurarmos em alguma viagem dentro de si para descobrirmos nosso caminho aqui no universo – imagino como uma espécie de “minha missão no mundo” - , e o que aparentava programado, com hora de chegada e partida, faz uma reviravolta e muda o que pensávamos quando criança sobre o que queríamos ser quando crescer.

É tudo isso a vida! Escolhas, caminhos, universos e mundos interiores que vamos descobrindo a cada passo e em cada lugar que fazemos pouso com nossos sonhos.

Um brinde à vida e aos nossos sonhos!

Para a amiga Michelle Boabaid

Patrícia Dantas, 27 de setembro de 2013

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Apoesia e suas medidas



A vida necessita de poesia todos os dias! Cantada, recitada, falada ou embriagada. Não necessariamente são regras ou formas, mas um compêndio de medidas desmedidas, disformes, angustiantes – a pura poesia.


Mario Quintana viveu e morreu assim: tragado todos os dias pela fumaça vívida e mórbida das palavras que lhes tocava a pena todas as manhãs, logo que acordava e tomava seu café bem quente ou bebia em seu cálice de angústias que sobrara da madrugada anterior. Mas humor não lhes faltava; aquela boa dose de conversas engraçadas e os causos mais mirabolantes! Isto sim ele sabia inventar. Bastava-lhes ter o papel e a pena a seu dispor, acompanhada de boas doses de conversas versadas a si próprio e seus amigos, e o mais patético de tudo isso é que sabia contar piadas, como ninguém, das ocorrências inusitadas da sua vida. Penso que ele sabia a fórmula certa, o segredo perseguido de se viver um dia de cada vez, mas com a emoção de uma vida.


Assim também o fizeram outros que, para citá-los, seus nomes e descobertas seriam intermináveis! Mas não posso deixar de lado o terrorismo diante da vida e sua desintegração, o grande poeta que louvou em seu íntimo ao apodrecimento sutil da carne: Augusto dos Anjos. Este, não dormia um dia sequer sem pensar nos vermes corroendo sua carne ainda morna, após um breve tempo de sua morte. Sangrando sempre, sua alma não descansava, pois, incrementava o tempero certo às suas descrições macabras da desintegração da carne. Minúsculas células, ardidos nervos, sangues pulsantes, veias abertas! Pode-se dizer que eram essas as sensações que usava para descrever o tormento do apodrecimento humano. Claro que, a um olhar mais transparente, nossa vergonha diante da corrupção material, não nos deixa outra saída, senão o reconhecimento de que não existem palavras mais adequadas que possam descrever com tanto asco esse maldito pudor humano.


Vamos reconhecer que essa angústia é inerente ao ser humano, seja diante da morte, das coincidências da vida ou do amor que está por vir, se não o já fugiu a um bom tempo. Vejamos o Álvares de Azevedo: Que tormento este amor corrompido, a sensação do suicídio rondando-lhe as pálpebras, pois o olhar é o que afugenta, oprime e aperta o seio da amada. Se não fosse assim, que iria fazer perante a criação de um sentimento tão mortífero? Atiçaria o veneno só para ver seu sangue jogado ao mundo sem nenhuma utilidade? Claro que não! O segredo dessas sensações estranhas é sua utilidade diante da arte que faz a vida e, para saboreá-la, agora, volto meus lábios mal intencionados aos vossos ouvidos perturbados: 


- Dizes-me, agora, se haveria outro motivo mais verdadeiro que a causa do sofrimento de quem ama ou a sorte do bem amado, para construir essa linda torre, que mais parece a Babel construída pela ambição dos homens, chamada puramente de poesia? Rogo-te.


Constantemente angustiados! Assim o são não só os poetas, mas também os seres condicionados a sentir o bem e o mal dentro de si, suas armadilhas e a construção de cada fio diário de vida. Posso dizer que o alicerce para a construção da belíssima torre espreita sofrimentos concretos, óleos essenciais de lágrimas e fios de esperanças. É para isto que servem os degraus. 


*  *  *

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Bailarina



Um canto. Uma viagem. A vida por si já se define de muitas formas!



Quando o canto interrompe o silêncio que oprime, cresce o fluido de cores imortais que se jogam ao infinito, driblando as doces vozes que aceleram a música dançante do universo.



Como uma bailarina ao fundo do salão, em seus devaneios ritmados, a vivência e seus mistérios tornam os dias mais interessantes; trazem o propósito do burburinho das manhãs azuladas pelos raios de sol, projetados num tipo de céu que se constrói de nuvens cálidas e suaves, sob a chuva inesperada do sentido poético, quando a deusa lua vem abraçar suas noites ao som da composição estrelar.



Como ousar tanto, a ponto de percorrer lugares ermos, aquecida somente pela euforia ardente de tocar o desconhecido com sua paixão desenfreada e intranquila? Bem saberia eu responder, se não houvesse uma bailarina chamada Vida, a acompanhar meus trilhos de alegrias e tristezas, sem comoções, arrependimentos, nostalgias falsas ou alegorias dos homens nus em suas emoções.



Minha força, além do que se pode chamar de humana, ultrapassa as barreiras inconstantes do medo, e dança melodiosamente sobre o desejo inexplicável de adentrar cada momento como se fosse a derradeira epifania vivida, ou, supostamente sonhada.



Paradoxalmente, vivo a loucura apaixonante que rodopia a cabeça dessa bailarina que encanta, conquista e transcende à vida!

                                             ***


Clímax



Quisera algumas vezes não sentir! O cheiro, os sabores, os sons que me confundem as horas - é dessa essência de mim que corro o risco de morrer todos os dias. Quanta confusão em torno de sensações tão simples que não necessitam de maiores explicações quando provadas. 


Mas, ao fim, o que resta é a sinopse da história que passou, como num filme triste que, ao final, os olhos são ligeiramente arrebatados por lágrimas incompreensíveis. 


Daqueles cheiros, sabores e sons tão marcantes, resta um clímax devorador e antagônico, que chega a beirar o absurdo. Sim, pois minha capacidade de auto-avaliação faz desse desfecho um covil fantasmagórico, tão familiar que costuma ser para minhas transformações como pessoa em busca das visões de tudo o que se apresenta em seus trejeitos.


Sonho-os. De formatos embaraçosos, esguios, magros, disformes! É a liquidez submersa pelos contrastes e significados múltiplos; sobe o cheiro embutido pela farsa dos poderes; o gosto oblíquo do desencanto áspero na língua; o som da música escorregadia vestida pelo erotismo da noite. Puro antagonismo de sentidos!


São mais que formatos criados pela consciência embalados sempre ao cair da noite, e é dos encantos de sua musa que o feitiço se faz presente - da dama enigmática que vem todas as noites perscrutar as inquietações dos amantes, fantasiada e maquiada, apenas deixa que toquemos fundo a luz de seus olhos ao fim do encontro inconfessável.


Para ela - sempre a fugir do sol a lhe queimar os cabelos-, há o fetiche do desencontro, pois ele poderia lhe queimar até a alma. 


Assim também é a angústia do não-encontro, essa confusão de sentidos e paradoxos: quando não corrompem, amortecem tanto que beira a loucura alheia.



*  *  *