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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Da janela não se vê


Imagem: The Kiss, de Henri de Toulouse - Lautrec


            Ter olhos para olhar a vida é o mistério maior: é como passar os braços em volta de si e sentir o próprio toque; é o impulso da liberdade correndo, voando, aos pulos! 

A vontade, o desejo suspenso no ar e a ousadia que chega e nos aborda com um quê de “preciso voar” seguido da tortura que completa “e por que não persegui antes o voo?” são os ângulos que faltam quando o enquadramento de si já não parece mais se adaptar ao cenário criado para se ambientar numa ficção sem momentos demarcados.

É o nosso limite que chega, pede licença e invade a casa com interrogações que não sabemos de onde tirar a extravagante quantidade de respostas – na maioria das vezes sem sentido algum, que só se traduzem melhor bem no fundo de um baú para ser vasculhado sempre num lugar chamado futuro.

Tento olhar ao redor, encontrar algo que eu possa contar. É mais que ter olhos para ver a vida passar e se fazer em pequenas histórias ou grandes enredos; é sobretudo não se render quando se vê – posso dizer que me rendo constantemente, é o que me faz sentir mais e ser transviada diante da ordem que se instala - mesmo sabendo que a pose muitas vezes dá corpo à situação e é encantadora.

Uma cena me vem à cabeça: algo distante, afastado da rua, como se fosse do lado oposto da vida. Não posso contá-la em detalhes esmiuçados, pois rodaria como no tempo de um filme, mas existia um prazer que sustentava os minutos que pareciam intermináveis.

Vi somente o espaço da janela fechando ferozmente, arranhando a fechadura –  como se não quisesse mostrar seus inquilinos. Ali, ocorreu-me a sensação de que tramitavam os gestos com a visão do algo não resolvido, mas que estava ali com toda a sua força e imensidão. 

O vento que continuava a bater tão forte e inusitado, quase que deixava as palavras em confusão por entre seus sussurros variados - como todos os atos que podiam ser encenados naquela rua da frente, a esconder seus moradores por entre as frestas das janelas escurecidas pelas cores que impregnavam as paredes já desgastadas.

Eles estavam grudados, segurados entre as mãos, com um choro incontido, mas gritavam com todas as suas forças e explicavam que tudo estava resolvido; da garganta já não saia o ar que necessitavam, porque se abraçavam como se fossem um só, e não havia mais nenhuma necessidade das palavras.

                                                         ***

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