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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Mostrar-se é sobreviver

Imagem:http://www.classic-design24.com/uk/paintings/lempicka-tamara-de-group-de-quarter-nus.html



Mostrar-se para alguém de forma discreta ou desnudar-se completamente é como dizer que se possui a liberdade nas mãos por alguns segundos. É um diálogo que flui, uma sobrevivência limitada. Imagine a cena de duas crianças que correm a esconder um brinquedo – a primeira, que o esconde e a segunda, que deseja pegá-lo de qualquer jeito, para experimentá-lo nem que seja por alguns minutos, para ver o novo em sua expressão ainda desconhecida, pois o toque revela a originalidade do objeto que se imagina em sua superfície. Isso mesmo, até a descrição que dá para sentir!

Mas, e se em algum momento a mostra mais arquitetada do ser não se realizar, o que fazer? Não deu certo o plano mais ousado de se comportar, vestir e agir como um ator ou atriz de cinema, que é um arquétipo do que é belo e bom na sociedade contemporânea e fetichizada. Então, o que se pode tentar é ser quem você realmente é. É a melhor alternativa – e originalíssima – de se portar, conversar e acreditar nas construções que lhe convém melhor.

O que tenho observado na maioria (quase em todas!) das publicações sobre o rol de participantes do mundo social é que existe uma busca que não cessa, aliás, ela se renova no olhar ou no dia seguinte. É no outro que mora o desejo, a chama que arde no corpo inteiro. As colunas e páginas sociais que desfilam fotos, os últimos aparatos tecnológicos e achados da moda – foco sempre o masculino e o feminino -, do que está no top da imaginação é o que importa para os fazedores de momentos eternizados. Mas não culpemos o mundo pela inventividade e o que desperta nossos instintos para os experimentos momentâneos e quase sempre prazerosos. 

São nossas escolhas que definem como se é ou se pretende somente representar mais um papel, como numa novela ou peça teatral. No mais, espero que as pessoas sejam apenas pessoas, que existam e saibam da importância do que é ser elegante, generoso, humilde, gentil ao se mostrar para o mundo, não interessa o que vistam, bebam, comam ou apreciem com suas almas. Estas são algumas observações valiosas que juntei - como num quebra-cabeça que se leva muito tempo para montar -, de personalidades que souberam aproveitar o fino aspecto da vida e deixaram a maravilhosa fórmula do encanto. É só aplicar nos seus dias.

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terça-feira, 30 de julho de 2013

Parou a vida com uma taça na mão

Imagem:http://delaburns.blogspot.com.br/2010/07/champa-nelas.html




Quando ela disse a si que parou sua vida, parecia que estava preparando uma bebida com várias combinações de frutas cítricas e fórmulas picantes indicadas pelo melhor barman da cidade – pensava, inquieta, que o pouco que conhecia de bebidas, coquetéis e drinks não a levaria a uma sequência de degustações, pois ela adoraria ser uma conhecedora das incontáveis metáforas que passeiam pelos sentidos inebriados.


Nos circuitos brilhantes que vinham perfurando meus olhos com um prazer indescritível, eu me via com uma taça esplêndida dando formas aos meus dedos macios, ao se enrodilhar ofegante pela haste longa enquanto inventava e criava algumas cenas numa casa noturna. Estava tudo, de repente, tão intenso como as esculturas pensativas e enervadas de A. Rodin. O mundo da menina que pensava ter sido parecia entendido naquele momento, os atos estendidos pelo chão, em câmera lenta, apropriando-se de tudo o que imaginei que existia em mim, na verdade, foi a profundeza da minha angústia - ela tomava rumos inesperados, até que chegasse outra agudeza sublime que me transportasse para a rota de calor dos trópicos, como dizem os apaixonados pelo mormaço e perfume que o mar resvala em nossa pele em dias intensos de verão.


As bolhas espumantes eram infinitas, pois a bebida caminhava devoradora pelo pulsante céu da boca, entrava escorregadia, procurando a passagem para o submundo interno da gente – aquele caminho que conhecemos de cor nas grandes ocasiões em que se é possível passar pelas aparências das coisas e depois se esconder por entre as pernas cambaleantes, cheias de espectadores, aplausos e merecimentos baratos. A felicidade inesperada causa certo desconforto na composição física do indivíduo, mas, às vezes leva a uma dimensão sem resquícios de controle para a exposição de sentimentos e gargalhadas por motivos aparentemente sem graça – digo isso para os que se chocam por pequenas banalidades necessárias.


O que realmente podia ver, tomando o aspecto pálido e sombrio à minha frente era um rosto que dizia muito de si, não titubeava um instante, pois era forte, mesmo com a descoloração momentânea que se esvaia naquela poltrona que sabia mais sobre seus infortúnios que ela. 

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quinta-feira, 25 de julho de 2013

As crônicas de Clarice

Imagem:http://www.sempretops.com/pensamentos/clarice-lispector-obras-e-livros/




           Quando peguei o livro de crônicas que a escritora Clarice Lispector escreveu para o Jornal do Brasil na sua coluna aos sábados (1967-73), juro que desejei ardentemente desvendar o mundo subjetivo e o dia a dia das pessoas que transitam todos os dias pelos acontecimentos, espaços e tempos efêmeros que podem eternizar-se, como ela assim o fez.


            Suas palavras são simples, claras, entendíveis – como se cria uma nova palavra, e o autor pergunta a si próprio, com ar de preocupação: “Será que entenderão o que falo?” E, ao final de um suspiro, ele se entendeu completamente. Esse é o sentido: entender-se e ser entendido em sua forma completa, como um todo existente e não explicável.


            O que sei é que gosto de escrever e como já disse uma vez “acho que causo um efeito devastador sobre as palavras”, mas deixe-me explicar: tenho em minha forma real e visível de escrever as descrições e até os detalhes mais sórdidos que passam a causar a náusea e o medo no interior das pessoas. Mas, cada escritor vive e é desvendado em seu mundo de palavras e construções de realidades e fantasias, ou os dois agindo em separado - assim prefiro acreditar. E gosto desses mundos transversais e paralelos que saem da tinta e do pensamento, o que me surpreende sempre em lugares quaisquer.

            A inspiração ou não sei o quê e como definir, alguns atos e inquietações minhas e humanas, vem tão de dentro, pisando profundo, que nenhuma fibra se distrai, arruma-se, como um emaranhado de células, organizadas e tomando formas harmônicas em cada parte independente ou dependente, como esperamos entender a complexidade da vida. A simplicidade está em como se vive e se descreve as sentenças e o mistério irrevogável de estar no mundo.


            Folheando alguns livros sobre as cartas e entrevistas que Clarice realizou (Minhas queridas e Correspondências, ambos pela Rocco), senti que o diálogo entre pessoas pode ser mais simples do que se imagina, não precisa de meio-termo ou alvoroço, porque alguém poderá não nos entender. Se tudo está dito em linhas e palavras que se explicam por si só, não vale impressionar tanto nossa mente, o que pode ser fatal para as noites em claro.

            Pode até ser estranho enviar cartas ou colecionar correspondências em nossos dias contemporâneos – imagina! guardar cartas que talvez jamais serão lidas, aliás, respondidas, pois nossos emails assumem a responsabilidade de dar a novidade do momento o mais rápido possível, até para os mais desinformados ou avessos a tal tecnologia. O que sei é que as cartas são marcantes e já passou o seu tempo, pelo menos as pessoas já não possuem mais o hábito da comunicação através delas. Mas ainda guardo algumas - de amigos, familiares e pessoas que jamais voltarei a encontrar neste planeta, pois já se foram para outros planos do universo. As de Clarice, porém, ficaram para muitas gerações se deliciarem com a conversa informal e como gostaríamos de nos comunicar com os outros que estão sempre do outro lado da nossa caneta, que rabisca vários papéis até encontrar a construção certa para que irá receber nossa história que encanta ou pode desencantar no primeiro momento da leitura. É que não existem somente as cartas alegres, mas também as trágicas, que podem marcar o rumo de todos os planos desde o momento que chegam as mãos do receptor.


            Continuo escrevendo e pensando outras coisas – não sei desistir ou me esquivar do que vem às minhas mãos, dou-lhe formas -, inclusive a poesia, que tenho um lugar secreto para guardá-las, pois, assim como as cartas, já não possuem tanto espaço nas estantes das pessoas, e quando possuem, são saboreadas várias vezes para que seu gosto não seja esquecido. Parece que há algo de trágico e romântico demais nos versos, e não necessita de medos para ler, apenas de boa disposição e esquecimento do mundo que nos cerca, tão cheio de volumes desnecessários.


            Pensar, sentir, estar entre espaços contínuos e descontinuados, ver-se e dominar o constante estado de flutuar ou deixar-se estender numa poltrona, sem motivos aparentes - apenas vivencio estas sensações últimas da liberdade -, saber que se existe. Somente o ser que é livre possui a sensibilidade para dar o sentido pleno a sua vida.

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terça-feira, 23 de julho de 2013

Inversão Social




Imagem:http://wexyzaferreira.blogspot.com.br/2011/12/eu-quero-alguem-pra-cuidar-de-mim.html

Meu instinto é um só - no contínuo processo existencial-, não é feito de boas maneiras ou trejeitos sociais, porque já não se vive nessa sociedade desacordada.

Prefiro viver como os filósofos, pintores, poetas, naturalistas, músicos e intelectuais e viajantes da humanidade viveram: sem amarras sociais! Acreditando apenas que existem bons princípios morais e éticos que orientam a vida do indivíduo social.

A inversão de valores torna o homem prisioneiro do mesmo universo que ele criou e articulou para sua sobrevivência, e é o que temos agora.

Sectarismos, guerras, paranóias, fome e o estigma do fracasso rondando o espírito humano, porque a riqueza é o que existe dentro do mundo individual de cada um, e não o patrimônio material que faz jus ao capitalismo e tão logo se fragmenta quando a carne humana enfraquece frente ao vazio diário.

Patrimônio imaterial, sim! Dos valores, das histórias construídas, do relato oral que ostenta a grande fábula desse espaço chamado planeta terra. É o aparato cultural que merece ser entendido na complexidade do saber humano, mas não é o que se valoriza nessa sociedade massificada, repleta de receitas prontas para agradar aos tatos, paladares, olfatos, visões e audições mais exigentes do consumo pós-moderno.

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terça-feira, 16 de julho de 2013

Voo no descompasso




 
Imagem:http://deliriosdeumanjoperdido.blogspot.com.br/2012/06/naonunca-me-deixe-ir.html
Quando nos é dada a oportunidade de voar e sair em direção a nossos mundos interiores, silenciosos e gritantes nesse intrépido invólucro, feitos de argamassa e pudor humano, demora-se um pouco a escapar. Esse é o peso da divina comédia humana: Escapar!



O mundo que me perdoe, mas o que se passa agora na cabeça dos que estão famintos, descalços, nus, disformes - o que se passa, meu Deus?! Creio que somente algumas vontades elementares de sustentarem seus corpos, que mal pairam no ar. Não só destes desgrenhados materiais e humanos, mas o peso dessa anomalia chamada fome – e existem infindáveis tipos-, há de um dia desaparecer diante da infinita estupidez humana.



É ai é que entra o promíscuo mundo obscuro do homem. Não é só a fome, o frio, o calor e outras sensações físicas que matam levas de indivíduos a cada dia, mas a perda de suas personalidades a cada momento: o perder-se, o não-encontro, o não-saber, o não-viver.



Existem valores para o homem que são a edificação mais sólida criada em toda a humanidade, e eles - as virtudes, os atos, a benevolência -, não se manifestam antes da passagem por esse subterfúgio chamado planeta terra. Ao tatearmos uma superfície tão escorregadia sentimos o terrível medo de nos afogarmos.



Seguimos um ritmo, dançamos no descompasso da vida e das coisas que se mostram para nós com suas faces inventadas, e vemos que somos impulsionados a encontrar mundos e pessoas escondidas na poeira do tempo. Toda essa música sem graça e sua triste composição sádica nos levam pelas reentrâncias deste mundo sem leis, cores, códigos, moradia, normas, comidas, vestimentas, poesia e boa música. Vamos à busca das novas composições e arranjos que virão de uma viagem muito longa, delineando os extremos do universo.

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