Imagem: http://carvalho-euvocens.blogspot.com.br/
Posso te dizer como ele
cantava? Assim, de uma forma meiga e inusitada em seu grito rasgado e calor
apavorante, extraído dos finos fios pútridos de suas vestes. Mas, de um canto
quase nu - refiro-me a abstração primeira a alvoroçar minha imaginação
rodopiante, da qual retirei a prisão que minha alma não paga em lugar nenhum,
senão no receptáculo do riso frio, encoberto pelo canto singular que outrora
trouxe o embriagamento e o sabor apimentado das doces palavras soltas, acudidas
no interior de uma noite ainda não identificada.
Sim,
ela, a que diz da forma galanteadora do canto, mas que não passa da aparição
promíscua de minha personalidade quando fora ingênua, não passara da sombra
vergonhosa que lançara palavras soltas e decadentes a passar por entre os
sortilégios da passarela do destino - o que, lavado pelo esculpir do tempo, não
demora em se apresentar nas formas de um príncipe galanteador e supremo em seu
reino de fantasias.
Não
posso dizer que as finas notas, proferidas pela sua boca morna e intumescida,
não cortaram alguma parte de mim que ainda não pudera sentir! De sua correnteza
invadida pelo toque musical, vi desencadear o paraíso povoado de chamas
infernais, o eterno paradoxo.
Como parte de
mim, já se dizia do exílio do espírito, das estranhas moradias procuradas nas
horas que antecediam a manhã de minhas confusões tardias; estava tudo muito
simples e previsível até a chegada daquelas palavras que escorregavam pelos
meus ouvidos como o vinho ousado que desce voluptuoso, parando em cada curva,
deixando seu toque, seu sabor marcante e o delírio inesquecível do momento
único, mas nem sempre curtido em simetrias e perfeições.
Voluptuoso,
exatamente como o vinho que acabo de imaginar e traçar seu sublime toque
aveludado, sua música parara como uma nuvem escura, permeada de batidas
sustenidas a arrancar de minha profunda quietude o embalo discreto dos risos
que fora outrora das viçosas concubinas, mas que se instalara em minha garganta
como o burburinho das cortesãs impossíveis ao cavalheiro mais nobre da
corte.
* * *
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