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sábado, 4 de maio de 2013

Anotações para uma carta

http://lituraterre.com/2011/05/30/cartas-telegramas-e-outras-memorias/
 
     Posso te dizer como ele cantava? Assim, de uma forma meiga e inusitada em seu grito rasgado e calor apavorante, extraído dos finos fios pútridos de suas vestes. Mas, de um canto quase nu - refiro-me a abstração primeira a alvoroçar minha imaginação rodopiante, da qual retirei a prisão que minha alma não paga aqui ou alhures, senão, o receptáculo do riso frio, encoberto pelo canto singular que outrora trouxe o embriagamento e o sabor apimentado das doces palavras soltas, acudidas no interior de uma noite ainda não identificada.

     Sim, ela, a que diz da forma galanteadora do canto, mas que não passa da identificação promíscua de minha personalidade quando fora ingênua, não passara da sombra vergonhosa que lançara palavras soltas e decadentes a passar por entre os sortilégios da passarela do destino - o que, lavado pelo esculpir do tempo, não demora em se apresentar nas formas de um príncipe galanteador e supremo em seu reino de fantasias.

     Não posso dizer que as finas notas, proferidas pela sua boca morna e intumescida, não cortaram alguma parte de mim que ainda não pudera sentir! De sua correnteza invadida pelo toque musical, vi desencadear o paraíso povoado de chamas infernais, o eterno paradoxo.

    Como parte de mim, já se dizia do exílio do espírito, das estranhas moradias procuradas nas horas que antecediam a manhã de minhas confusões tardias; estava tudo muito simples e previsível até a chegada daquelas palavras que escorregavam pelos meus ouvidos como o vinho ousado que desce voluptuoso, parando em cada curva, deixando seu toque, seu sabor marcante e o delírio inesquecível do momento único, mas nem sempre curtido em simetrias e perfeições.

     Voluptuoso, exatamente como o vinho que acabo de imaginar e traçar seu sublime toque aveludado, sua música parara como uma nuvem escura, permeada de batidas sustenidas a arrancar de minha profunda quietude o embalo discreto dos risos que fora outrora das viçosas concubinas, mas que se instalara em minha garganta como o burburinho das cortesãs impossíveis ao cavalheiro mais nobre da corte.
                                                   

                                                  *  *  *

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