Gosto de beijar as mãos de uma pessoa – é uma profissão de fé para
demonstrar minha amizade e gratidão; faço-o como um gesto cheio de melindres
maiores, que vêm do interior e sabe se instalar na pessoa que posa sem
expectativas.
Beijar as mãos de uma pessoa é colocar-se no côncavo das mesmas mãos, bem
fundo, na finitude, e sentir-se protegido; é sobretudo atitude, troca de calor;
é se sentir acariciado, fazer jus ao instinto, sem pedir nada em troca.
São as sensações amistosas que roubamos e nos prendemos - dizem que não
estamos sozinhos, quando pensamos que realmente estamos. Existem pessoas à
volta, à espera, tão promíscuas em suas carências que beijariam as primeiras
mãos que aparecessem, sem cheiro, cor, sabor, sem requintes...apenas para
sentir o toque e não mais se entregar ao abandono, mas ceder à companhia, ao
espaço entre uma palavra e outra, ou ao silêncio que antecede os atos
improvisados.
Damos as mãos todos os dias, insensatos, desprevenidos, sem intenções, como
um desabrigo prestes a escapar por entre os dedos (demonstramos uma aptidão
interessada, algum agradecimentos ou estupefação desmedida que se confundem com
o real significado da aparência), não para nos deixar absortos, ao contrário, expelir
a fina demência racional que se esconde dentro da generosidade fantasmagórica –
ela toma formas e age como um monstro escondido.
É um gesto simples para gostos simples, almas e corações refinados;
canções vibrantes que ecoam na voz, nos passos, no movimento recíproco;
aproximação, interação, troca de fluidos, por assim dizer; tilinta, sorve, espasma;
é o que se bebe e sente expandir dentro de si.
Sentir outra pessoa, às vezes assusta - pela vibração e conexão das
energias, pela mutualidade. E nem sempre se pode ver essa simbiose, é quase uma
des-conexão ou uma força bruta que, por repulsa, não permite o toque, nem que o
desejo de alguém se perpetue a ponto de sufocar-se; beijar as mãos, até do mais
desgrenhado ser que posa em sua frente, é um gesto inexplicável e despudorado
de humanidade.
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