Imagem: Woman fastening her garter, Edouard Manet, 1878 |
Ele parecia sufocado de tanto suor, nem sabia como se comportar diante do
que não soubera explicar. Era um tumulto em reviravolta dentro de si; olhava ao
seu redor e via pessoas, mesas repletas, ouvia casos e acasos num fluxo ininterrupto.
Era como se fosse uma fase de consolação para aceitar sua diversidade dentro
daquele corpo quase esganado pela insensatez que brincava de ser a irmã mais
nova – tudo tinha muita graça e andava num ritmo visceral de vida.
Lá longe avistou uma moça que parecia sua conhecida; seria aquela sua
vizinha que parecia se esconder ou evitar os moradores no elevador? Não
acreditara, pois somente uma vez trocaram olhares no rol do prédio, tocados
talvez pela intrepidez dos olhares que não permitiam se afastar, apenas
abandonar-se por entre as imaginações que desenhavam cenas eróticas da fuligem
da rua que tomava o ambiente como a quentura do desejo que abrasava quem
passasse por perto. Era assim que ele se fazia entender na sua divagação, mas
ele insistiu no que acabara de questionar a si mesmo e se aproximou com seu tom
dourado nos olhos, quase faiscando:
-Posso acompanhá-la pelo salão? Também gosto muito da arte contemporânea,
fiz uns desenhos que posso te mostrar algum dia, desde que já estejam expostos.
Ela sorriu e continuou a conversa que, para ele, era só um álibi para a
entrega:
-Vim a convite de uma amiga, mas vejo que ela está muito ocupada
recebendo os convidados, não posso cobrar sua presença. Tenho um trabalho
fotográfico exposto em sua galeria e somente mais tarde, quando chegarem todos
os convidados, sairemos para respirar ar puro e tomarmos um café no bar que
fica ao final do corredor.
Ele escutava a explicação artística da nova amiga, que até pouco tempo
era sua vizinha desconhecida e não acreditava que, naquele momento, a arte os
aproximou e os tomou pelos braços. Ela não tinha mais que autorizar sua
companhia, somente se entregar mais tarde ao delicioso mormaço da sua bebida
oferecida no quarto.
Foram andando e se entendendo no que conheciam de fotografia, pintura,
escultura, desenhos; conversavam sobre temas diversos que inspiravam artistas
todos os dias, até que quando viram já era hora de cada um tomar a decisão ir
para algum lugar diferente, e não mais ficarem juntos por interseção dos gostos,
mas ele logo se dispôs:
-Posso convidá-la para uma degustação de drinks mais tarde lá em casa? Chamei alguns amigos que fazem umas
combinações surreais, eles brincam com as composições de álcool, temperos,
frutas e seus toques mágicos, que não costumam revelar. Mas não tenha medo,
eles fazem por pura brincadeira, e ainda ganham uma grana aos finais de semana,
quando são convidados para alguma festa privada, lá onde o dinheiro ganha vida
e paga por qualquer combinação diferente, é só dar um nome que soe atraente,
místico,algo que venha dotado de aparências.
Ela logo se sentiu instigada por toda a história das bebidas e suas
combinações inusitadas; não tinha o costume de aceitar convites de um quase
estranho desde sua última aventura na casa de um velho colecionador de arte que
desejava lhe promover, mas por que não se render por uma noite apenas? Logo
decidiu:
-Está certo, pode me passar o endereço? (E riram da situação, pois eram
vizinhos e nunca saíram juntos, nem eram amigos). Lá pelas nove e meia apareço
no seu apartamento, combinado?
-Combinado! Uma pena que não nos aproximamos antes, mas não é bom pensar
nisso, podemos fazer muito ainda.
Ela desconversou não quis prolongar algo que não passara em sua cabeça;
seus momentos eram assim: todos pareciam pelo avesso, às pressas, vindos da
novidade, da descoberta do momento. Tinha que se preparar para a efusão da
noite, ela tramava bem todos os seus encontros secretos, das suas roupas ao mise-en-scène dos atos, todos
milimetricamente armados para a conquista de mais alguns homens em sua vida.
***
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