Sou uma outra pessoa. A que com a face se entrega; a que se apavora com a
situação presente. Penso que me dou melhor com a pessoa-sensação que foge para
um lugar inventado de paisagens planas e coloridas, leves e musicais. Quando me
sinto sufocada, perco o chão, como se fosse transportada para qualquer espaço
ermo, sem cores ou sons que acalentam minhas dores e inseguranças.
Morro pela falta de liberdade! É um
mundo que irrompe todos os dias, vestido de forma impecável, frio, galanteador,
aparentemente racional, com minha vida no palco, cantarolando quimeras
desconhecidas que vivem da suprema inventividade e do gosto de existir. Ainda
saio como num passeio qualquer, vou atrás do que há de moderno, como se costuma
dizer. Mas qual a graça disso tudo? Preciso transpor meus limites torpes que agonizam
como felinos atingidos por algum predador.
Quero a vida em minhas mãos, ser
carregada como o vento que sopra as folhas secas; quero a inconstância, o
não-lugar, a ansiedade que prepara o corpo para algum desfecho. Não gosto da
estabilidade das coisas, elas tem um quê de finitude, de prontidão diante da
gente, é como se não houvesse espaço para corromper o que está perfeito, e
perfeição é algo que aglutina início, meio e fim. É bom para apreciar e se
imaginar perfeito, mas nem temos caminho para isso nesse mundo em ebulição, que
combina bem com o slogan “tudo junto e misturado”.
Senti a necessidade de alguém para
caminhar junto, e para isto já o tenho, ainda que eu não me revele por completo
– é que não daria o charme, o mistério do próximo passo, da viagem que sempre
está por vir.
Dá-me, por fim, tuas mãos poderosas, que possam afagar meu rosto suado de
tanto acreditar. Dizem que o céu pode se abrir, lembro de ter visto este
diálogo num filme que assisti há algum tempo, e marcou pela forma com que foi
falado, pois eram almas singulares que viviam de um momento único, que passava sem tréguas.
Incompleta e complexa. De que me serviria o contrário? Seria não-ser! Como
saberia ousar e provar das representações que eclodem em mim como artistas em
êxtase? Nem sei explicar, mas seria uma falta de tudo, um mormaço sem chamas.
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