Se o som soubesse o que
falo intimamente quando me calo, logo já nasceria outro ser – mais falante,
quem sabe, em alto e bom tom – não arrisco mostrar-me uma segunda, terceira ou outra
incontável pessoa; ser quem não conheço ser, o que não imagino ousar além da
porta aberta, o medo da imaginação oculta.
Existe um eco contínuo,
espalhado, que se estranha no poder
ofuscado das ruas; ele se reconhece nos passos, nos gestos, no abrigo da
penumbra deslumbrante, um ente sugestivo que atiça; ele se encanta nas
entranhas escassas do caminho; meu eco é cansado e sabe que retorna para algum
lugar, movido pela inconsistência do acaso que promete o ilimitado mistério de
uma alma valente.
Não, acho que não tenho
mais nenhum cansaço como antes, agora é que tenho sonhos que escapam de mim e
flutuam no horizonte, perdidos, mas são meus. Adentram cores e se transformam
em sentimentos maiores que que raios lançados nas tempestades – definitivamente,
eles não podem ver sua monstruosidade viva.
Independente das minhas
contradições e de todas as reviravoltas, dos meus enganos e sentidos
vulneráveis, ainda tento escrever o que já me torno, o que já sou; tudo o que
vejo, toco, como e degusto o mistério dentro de mim – gosto do som das pequenas
composições que se formam como cimento, delineando minha intimidade ainda não
totalmente completa, mas que já é algo complexo demais para se extinguir em
pouco tempo.
É embaraçoso compor o que
já se é. Penso que é porque tento e o faço sempre que posso, e lembro que fugidias
notas estão pausadas em minhas mãos, resta-me lhes dar formas reais que se
tecem, não necessariamente sentidas e visíveis, elas são pedaços intangíveis
que exploram a capacidade de todos os sentidos. É como uma espécie de faro, até
que se pode chegar mais perto e deixar se sentir, espinhando o último estalo
dos dedos na consciência.
Ainda não sei compor, me
juntar, preciso de uma fórmula que não existe e jamais existiu, sou inviolável,
insubmissa, indivisível, inquestionável, sem exatidão, conceito ou qualquer
característica que me enquadre numa temível estabilidade, prefiro a
inventividade do caos que se reinventa nas situações imprevistas.
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