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segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Epifanias dos homens de rua



Imagem: Pintura de Vincent Van Gogh

O encantamento humano causa medo.  Tão sóbrio e convicto de suas potencialidades que ganha ares de super-humano; quisera mesmo vestir a armadura de um deus e degustar a essência que se forma, de material e fluidos dramáticos.

As mãos do homem que porventura observo mostram a força corrupta, digna de atos vis. O outro, mais camuflado, cabisbaixo, em seu incompreensível existir, fala-me em seus trejeitos, de modo que até as rugas do seu rosto confidenciam seus dias em pormenores.

Um olhar que mais parece uma insígnia, aterroriza ou permite a qualquer alma em estado incontrolável de loucura pela hora final, ou seriam os derradeiros momentos cronometrados no ponteiro exausto do relógio, que já anda desaprumado, ao forjar pactos incorruptíveis com o deus do tempo, Cronos?

São dois seres que se multiplicam e confundem suas histórias. O entrelaçar de suas misérias é a peça comum que completa a arquitetura e o esboço da grandiosa obra. Por ora parecem um só, inebriados do rum barato, apreciado no botequim da esquina mais próxima. A companhia desejada é esguia, tem passos dançantes e traz a performance da noite no olhar. Os dois, que se olham sem titubear em suas fantasias, também se entendem em seus devaneios de homens de rua. Eis o segredo maior: são perdidamente boêmios das ruas dos transeuntes, escuras, mornas, incrivelmente gélidas em noites de inverno. Desejam ardentemente aquecer seus corpos nus nesses invernos devastadores.

Existe a espera constante, sutil, avassaladora, que devora suas almas doentias. De algo que aparece como a mágica dos dias. Dizem que é uma espécie de esperança camuflada e que suas horas estão fadadas ao acaso - balbuciam entre goles e planos para algum futuro.

Seus membros quase já não suportam seus pés desconexos, cansados e apodrecidos pela poeira e dejetos das ruas; em suas mãos sobrevive o caótico gesto da mendicância, transtornadas pelo que lhe é negado; suas almas não acreditam, ou tentam superar apenas a imundície visível de suas misérias; comunicam-se e vivem de signos incompreendidos, do constante atropelamento diário; seus rostos expressam a esquisitice de sentidos, porque todo o caleidoscópio das sensações é abrupto e monstruosamente experimentado pelo clímax dos acontecimentos, ou o enredo sem a superfície do início, meio e fim. Nada costumeiro, como esperam das notícias encontradas nos velhos jornais encharcados das ruas, que já não contam ou traduzem acontecimentos inesperados.

As epifanias dos homens da rua se encontram em segundos; suas histórias e façanhas são narradas noite após noite, regadas às bebedeiras e alguns tragos que se encontram no redemoinho de narrações, descrições e do factual de suas ficções.



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