Esbanjo a vida como ela é
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Imagem: Sérgio Pavanello |
Não exijo muito da vida. Que ela me dê o riso, e não o pudor de não saber
frequentar minhas vaidades. É só questão de tempo quando penso no que desejo
fazer “até lá” – falo daquele cantinho que montamos tão bem decorados como nos
filmes de época, algumas vezes, até melhor, como toques muito particulares e
sutis. É como se uma mistura de intrincadas composições químicas materiais e
imateriais tomassem conta do único espaço existente, a se esparramarem
loucamente com suas forças propulsoras de motores pesados.
Deter-se incondicionalmente nos espaços e tempos relatados,
insistentemente cruzados com a densidade sempre rebelde da imaturidade tardia -
é o que muitos fazem. A sublime constatação é que não me detenho, nem sou dona
de fato do que encontro pela frente; não espero nada que venha como prêmio -
acho que não sou merecedora de relíquias. É algo mais que um consentimento
espesso, tateando bem devagar, o que assumo com irresponsabilidade. Ele vem
como um intruso na noite adentrando o quarto de uma jovem fingida. Este
consentimento de que falo me é inescapável. De qualquer forma não o entendo,
deixo-o rondar, prender-se, amadurecer dentro de um casulo, ainda que não
encontre a saída ou aval dos deuses.
Mostro o que é inevitável! Como uma ave viçosa no rebento das novas copas
primaveris, deixo o grito tilintar com todas as forças na transição das noites.
Não suporto ser reconhecida, evito olhar com precisão desde cedo, não importa o
que penso sobre o futuro, pois nem sempre ele interessa. Se os pés estão
fincados num tempo, ele é o presente improvisado, puro, cheio de malícia; é a melodia,
o estalo, o tiro ao alvo, o que se sobressai nos atos reais que em poucos
segundos se metamorfoseia em memória e ficção.
Esbanjo a vida como ela é. Se às vezes vejo tudo como uma vontade
esquisita e voluptuosa que salta no convés infinito das pessoas, saio logo com
um nome à minha fonte revelada – o nome dá importância e faz com que as coisas
existam, ainda que tenhamos que reinventar suas formas para saciamos o gosto tramitante
e instável do corpo. Digo para o que vim, o que quero e como sou. E se estou do
lado de fora de qualquer lugar, esperando meu vendaval interior passar, viajo e
me vejo num suntuoso sonho; suavemente, espero que venham mais chuvas e
tempestades acompanhando a instigante criatura prestes a se mostrar.
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