A vida necessita de poesia todos os dias! Cantada, recitada, falada ou
embriagada. Não necessariamente são regras ou formas, mas um compêndio de
medidas desmedidas, disformes, angustiantes – a pura poesia.
Mario Quintana viveu e morreu assim: tragado todos os dias pela fumaça
vívida e mórbida das palavras que lhes tocava a pena todas as manhãs, logo que
acordava e tomava seu café bem quente ou bebia em seu cálice de angústias que
sobrara da madrugada anterior. Mas humor não lhes faltava; aquela boa dose de
conversas engraçadas e os causos mais mirabolantes! Isto sim ele sabia
inventar. Bastava-lhes ter o papel e a pena a seu dispor, acompanhada de boas
doses de conversas versadas a si próprio e seus amigos, e o mais patético de
tudo isso é que sabia contar piadas, como ninguém, das ocorrências inusitadas
da sua vida. Penso que ele sabia a fórmula certa, o segredo perseguido de se
viver um dia de cada vez, mas com a emoção de uma vida.
Assim também o fizeram outros que, para citá-los, seus nomes e
descobertas seriam intermináveis! Mas não posso deixar de lado o terrorismo
diante da vida e sua desintegração, o grande poeta que louvou em seu íntimo ao
apodrecimento sutil da carne: Augusto dos Anjos. Este, não dormia um dia sequer
sem pensar nos vermes corroendo sua carne ainda morna, após um breve tempo de
sua morte. Sangrando sempre, sua alma não descansava, pois, incrementava o
tempero certo às suas descrições macabras da desintegração da carne. Minúsculas
células, ardidos nervos, sangues pulsantes, veias abertas! Pode-se dizer que
eram essas as sensações que usava para descrever o tormento do apodrecimento
humano. Claro que, a um olhar mais transparente, nossa vergonha diante da
corrupção material, não nos deixa outra saída, senão o reconhecimento de que
não existem palavras mais adequadas que possam descrever com tanto asco esse
maldito pudor humano.
Vamos reconhecer que essa angústia é inerente ao ser humano, seja
diante da morte, das coincidências da vida ou do amor que está por vir, se não
o já fugiu a um bom tempo. Vejamos o Álvares de Azevedo: Que tormento este amor
corrompido, a sensação do suicídio rondando-lhe as pálpebras, pois o olhar é o
que afugenta, oprime e aperta o seio da amada. Se não fosse assim, que iria
fazer perante a criação de um sentimento tão mortífero? Atiçaria o veneno só
para ver seu sangue jogado ao mundo sem nenhuma utilidade? Claro que não! O
segredo dessas sensações estranhas é sua utilidade diante da arte que faz a
vida e, para saboreá-la, agora, volto meus lábios mal intencionados aos vossos
ouvidos perturbados:
- Dizes-me, agora, se haveria outro motivo mais verdadeiro que a causa
do sofrimento de quem ama ou a sorte do bem amado, para construir essa linda
torre, que mais parece a Babel construída pela ambição dos homens, chamada
puramente de poesia? Rogo-te.
Constantemente angustiados! Assim o são não só os poetas, mas também os
seres condicionados a sentir o bem e o mal dentro de si, suas armadilhas e a
construção de cada fio diário de vida. Posso dizer que o alicerce para a
construção da belíssima torre espreita sofrimentos concretos, óleos essenciais
de lágrimas e fios de esperanças. É para isto que servem os degraus.
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