Quisera algumas vezes não sentir! O cheiro, os sabores, os sons que me
confundem as horas - é dessa essência de mim que corro o risco de morrer todos
os dias. Quanta confusão em torno de sensações tão simples que não necessitam
de maiores explicações quando provadas.
Mas, ao fim, o que resta é a sinopse da história que passou, como num
filme triste que, ao final, os olhos são ligeiramente arrebatados por lágrimas
incompreensíveis.
Daqueles cheiros, sabores e sons tão marcantes, resta um clímax
devorador e antagônico, que chega a beirar o absurdo. Sim, pois minha
capacidade de auto-avaliação faz desse desfecho um covil fantasmagórico, tão
familiar que costuma ser para minhas transformações como pessoa em busca das
visões de tudo o que se apresenta em seus trejeitos.
Sonho-os. De formatos embaraçosos, esguios, magros, disformes! É a
liquidez submersa pelos contrastes e significados múltiplos; sobe o cheiro embutido
pela farsa dos poderes; o gosto oblíquo do desencanto áspero na língua; o som
da música escorregadia vestida pelo erotismo da noite. Puro antagonismo de
sentidos!
São mais que formatos criados pela consciência embalados sempre ao cair
da noite, e é dos encantos de sua musa que o feitiço se faz presente - da dama
enigmática que vem todas as noites perscrutar as inquietações dos amantes,
fantasiada e maquiada, apenas deixa que toquemos fundo a luz de seus olhos ao
fim do encontro inconfessável.
Para ela - sempre a fugir do sol a lhe queimar os cabelos-, há o fetiche
do desencontro, pois ele poderia lhe queimar até a alma.
Assim também é a angústia do não-encontro, essa confusão de sentidos e
paradoxos: quando não corrompem, amortecem tanto que beira a loucura alheia.
* * *
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