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quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Construção íntima

Pintura de Edouard Vuillard: Kimono Ma Seer



Sou feita dos laços. Confesso que gosto mais, dos humanos; são os que encantam, machucam, fascinam e comovem a alma, como uma espécie de brisa que logo é transformada no redemoinho das palavras soltas.

Imagino os lugares sem as pessoas ao redor, sem o surto das composições impensadas; sem as emoções que surgem às avessas; sem as explicações extravagantes; sem a face poética dos atores que as sentem, irresponsáveis de si, arrancados pelo apelo arredio da presença dos outros - os frequentadores do universo agitado pela turbulência dos vizinhos anônimos.

Sim, as pessoas são as essências, os reveses, as simbioses. Compõem universos: dos loucos, normais, mortais, imortais; transeuntes do verão, caçadoras dos outonos e invernos gelados. Adoram, por assim dizer, contar os causos secretos do vizinho que é visto todos os dias às cinco da manhã, do quarto dos fundos; alguns, veem, inventam, outros, até imaginam as cenas que só existem esparsas e envolventes em suas crônicas diárias.

Nos mundos paralelos que imagino, faço reais suas existências, busco a urgência maior das coisas: da música, da poesia, do enigma que é viver todos os dias; entender o descompasso do tempo que urge com a frequência despudorada da prostituta das ruas. 

Particularmente, desejaria escrever na maior parte do tempo, para ver o resultado da decomposição exausta da minha alma; do mundo exalando a solidão como sentença de morte; do meu quadro incomensurável de analista melancólica das palavras desorganizadas. Assim, penso que existo; que sou de formas, conjecturas, exigências que logo passarão, porque amanhã é necessariamente meu outro dia, e já não serão só minhas inquietações à mostra... é um corpo nu, de charme diabólico, provocante, que brotará das fantásticas histórias que assombrarão o mundo real e palpável.

Nas entrelinhas que descem e se escondem no fundo sombrio do papel, a mão logo é encontrada no fundo da raíz dos cabelos, à procura, de algo, do quê, do encontro de si, da pessoa-personagem com as palavras; não mais da ausência, do medo do não sentir.

Escrever o que digo, de forma suprema, como a eterna escritora que vive do mundo, em sua órbita de contos, novelas, ficções, crônicas e tudo que diz respeito à sua forma de existir.

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