Será que eles haveriam de ser tão sentimentais ou boêmios quanto
pareciam? Talvez o fossem! Um, sentado à calçada de um dos mais renomados
bancos da cidade, cabisbaixo, maltratado pelas manchas do tempo em sua pele. Já
o outro, cantava uma música que mais parecia versos saídos de sua boca. Mera
convenção natural e habitual da vida contemporânea. Esta, que de tão realista,
rasga a pele, porém, não sentimos o sangue das feridas correr por sobre o
peito, muito menos o cheiro morno rançoso do líquido vital.
Mas, pela primeira vez na vida, vi o antagonismo entre dois corpos que
beiram este absurdo que é a vida. Sim, absurdo de fomes, mentiras,
desencontros, fracassos. Essa foi a aparência real do que vi, talvez não fosse
a hora, mas senti o calafrio da velha carne rançosa habitando em mim, pois
saberia que haveria de ser escrita uma história da pele que anda nua.
Como parte de um mundo povoado por humanos famintos, sinto a suprema
necessidade. Alguns poderiam perguntar: Necessidade de quê? Ora, de mudança!
Responderia eu, sem titubear. Mas, para isso, os corações dos homens não
poderiam continuar os mesmos, com suas carapaças embutidas, superficiais e
trêmulas, pois, diante, de necessidades maiores, seus mundos de pedras em alto
relevo, mais parecem castelinhos de areia movediça.
Sinto um reboliço estranho quando me deparo com seres assim. Seria
acaso do destino uma sorte tão traçada, ouvir uma música em pleno meio-dia de
um inverno mascarado? Mas, de uma voz sôfrega, confusa, doentia, enfim, com
todas as armadilhas cortantes deste sentimento que os humanos denominam,
miseravelmente, de amor?
Não falo só da música, mas do estado passivo em que se encontrava o
outro, como assim o posso denominar, com a face ligeiramente recostada ao
joelho. Pobre miserável, pensei! Fizera-se caricata do amor que o outro cantara
ao ar livre, e prisioneiro para sempre da musa que sequer o visitara em suas
noites de embriaguez.
Assim os
ouso imaginar, a partir de um diálogo morno, fluido, sutil, embelezado pelas
peripécias dos amantes embriagados das ruas, que outrora, já disseram: "-
Sentimental eu sou, eu sou demais!"
* * *
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