Vi-o recostado, a meter-lhe as mãos apressadamente dentro de um balde
escuro e cheio, a esborrar-se de lixo. Aquelas mãos sujas e ofegantes, catando
naquele valioso balde o sustento de seu corpo naquela noite erguida por finas
estrelas, não passaria incólume a uma observação sutil.
Estava atônito, mas a comida saltava-lhes aos olhos de uma forma cruel,
como uma espécie de libertação da fome que transcorrera ao longo daquele dia
turbulento. Mas, para ele, que sempre jogado às arbitrariedade e o silêncio da
sarjeta noturna, tal abstinência lhe arrancara parte do estômago morno e o
fizera catar os restos que alguém já saciado o bastante, abandonara-o sem
remorsos maiores.
Mas a comida do velho balde desbotado não era suficiente para uma noite
e várias semanas de fome que lhes secava até o espírito. Sua forma violenta de
esparramar aquela comida podre e amarga - imagino-, acalentava sua sede de
viver a manhã que lhe aguardava.
Tal cena de ficção, mas que aos meus olhos não passara da desgraça real,
trouxe uma espécie de letargia da alma e do espírito pois, àquela altura, um
voo de sensações humanas me acusava violentamente. Não saberia como agir ou
evitar o olhar curioso de como terminaria o capítulo final de um curta
cinematográfico ininterrupto da tragicomédia humana.
Por certo, alguns desventurados em outros tipos de mundos não ousaram
sequer um dia, provar dos extremos de absurdos que é a corda desarmônica e seus
tons desafinados, sussurrando a música triste e bucólica da vida, seja nos
últimos devaneios do amor sustenido ou na incontrolável vontade de se lançar ao
conhecimento da essência do homem e suas múltiplas histórias, divididas entre a
loucura e o pudor desconhecido – a falácia que anda recostada ao ouvido,
murmurando sobre os sabores e os prazeres fáceis, cujo preço é a própria alma,
como no romance do inesquecível gênio Oscar Wilde, o qual ficarei devendo uma
crônica sobre as peripécias do Sir Dorian Gray e do genial Sir Lorde Henry
Wotton, não esquecendo o sublime retrato feito por Sir Basil Hallward, pintado
com o amor e a amizade mais devotada que poderia contar o jovem de
indescritível beleza.
Sem delongas, a história terminara fria, terrível e sublime! Sublime,
em sua forma de desvendar a máscara banal e superficial do material que temos
todos os dias em nossas casas, mas que, por um temor absurdo e sem paralelos,
esquivamo-nos em dividi-la entre seres tão humanos quanto nós.
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