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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O enredo dos laços




O suor escorria do seu rosto, molhado, trazia um cheiro de um perfume suave e marcante.  O tempo trouxera àquele homem e prostara-o em minha frente, como uma esfinge dourada, de corpo esguio, pele fina, cor de ébano e perspicácia no olhar.


Viera com a missão da proteção e esquivara-se em delinear detalhes sobre sua vinda e propósito. Trazia em si o resfôlego de mais um dia trabalho nas intermináveis construções, como costumara passar a grande parte de seus dias, construindo muros, ornamentando paredes, desenhando pisos e posicionando-os em variadas formas.


Ainda impressiona o cheiro, uma espécie de pétalas brancas misturadas ao suor daquele homem. A pele reluzia misturada ao perfume exalado daquele suor translúcido e límpido como a água do mar, que constantemente se renova, pelo reboliço das ondas; assim o era, a reviravolta do seu ser trazia uma confusão de novos líquidos, driblados à sua maneira, em cada movimento do seu corpo.


Sua face consternada, ao ver-me, espreitando o momento epifânico da mensagem ditada mais tarde, longamente sôfrega, com ritmo de um jazz triste em noite de inverno, contraíra a inclinação do homem de forma que até seu corpo exalava a angústia das palavras. 


“Bom saber que tenho dois pais” foi a frase mórbida que extraíra sorrateiramente do meu espírito – sim, porque tal sensação era a de um furacão se espalhando e corroendo com suas larvas profundas a superfície do corpo, adentrando e desvendando todos os segredos equivocados. Àquele ser de imagem inesgotável, conseguira exprimir toda a profundidade das palavras apenas com o suor do seu rosto, que me fazia antever imagens nunca antes vistas, não fosse o sonho fugaz em uma noite inoportuna de primavera. 


Descobrira, agora, que parte do sonho vivenciado seria a delicada realidade revelada pelo anjo que cobriu grande parte dos meus dias, e por motivos vãos, inexplicáveis, afastou-se como um animal fugidio da armadilha. Deixara sua obra límpida, inacabada, criteriosamente, talhada pelas intempéries dos dias.



Outro somara-se à trama novelística de passagens interessantes e fugazes. Enquanto o estado do “não entender” corria em disparada na mente daquela mulher sempre imaginada, que ainda não soubera das grandes interpretações de suas dualidades femininas e humanas, espalhavam-se trechos soltos de pedaços de vida que ousara vivê-los em completa névoa da imaginação, aniquilando a substância real que corria em seu corpo.


Entendera, sem anseios maiores, esgotada pelas finas teias das dualidades individuais, que a construção das histórias é que moldam a vida que se leva, com ela não seria diferente, tinha seu modo insano de encontrar as explicações, mas forte, inconstante, inquebrantável, como a prisão obscura a que se submetiam os marginais nas galés do século XIX ou aos trabalhos forçados nas prisões da época, assim narra com riqueza de detalhes Victor Hugo e Oscar Wilde, que viveram e sofreram na alma os trágicos acontecimentos de suas tramas criadas e vividas.


Como um ato telepático pudera entender que a solidez daquelas palavras imaginadas, vindas daquele homem de suor nobre e cheiro marcante, esculpia, misteriosamente, a cumplicidade do que se entende por laços de família.



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