O suor escorria do seu rosto, molhado, trazia um cheiro de um perfume
suave e marcante. O tempo trouxera
àquele homem e prostara-o em minha frente, como uma esfinge dourada, de corpo
esguio, pele fina, cor de ébano e perspicácia no olhar.
Viera com a missão da proteção e esquivara-se em delinear detalhes sobre
sua vinda e propósito. Trazia em si o resfôlego de mais um dia trabalho nas
intermináveis construções, como costumara passar a grande parte de seus dias,
construindo muros, ornamentando paredes, desenhando pisos e posicionando-os em
variadas formas.
Ainda impressiona o cheiro, uma espécie de pétalas brancas misturadas ao
suor daquele homem. A pele reluzia misturada ao perfume exalado daquele suor
translúcido e límpido como a água do mar, que constantemente se renova, pelo
reboliço das ondas; assim o era, a reviravolta do seu ser trazia uma confusão
de novos líquidos, driblados à sua maneira, em cada movimento do seu corpo.
Sua face consternada, ao ver-me, espreitando o momento epifânico da
mensagem ditada mais tarde, longamente sôfrega, com ritmo de um jazz triste em
noite de inverno, contraíra a inclinação do homem de forma que até seu corpo
exalava a angústia das palavras.
“Bom saber que tenho dois pais” foi a frase mórbida que extraíra
sorrateiramente do meu espírito – sim, porque tal sensação era a de um furacão
se espalhando e corroendo com suas larvas profundas a superfície do corpo,
adentrando e desvendando todos os segredos equivocados. Àquele ser de imagem
inesgotável, conseguira exprimir toda a profundidade das palavras apenas com o
suor do seu rosto, que me fazia antever imagens nunca antes vistas, não fosse o
sonho fugaz em uma noite inoportuna de primavera.
Descobrira, agora, que parte do sonho vivenciado seria a delicada
realidade revelada pelo anjo que cobriu grande parte dos meus dias, e por
motivos vãos, inexplicáveis, afastou-se como um animal fugidio da armadilha.
Deixara sua obra límpida, inacabada, criteriosamente, talhada pelas intempéries
dos dias.
Outro somara-se à trama novelística de passagens interessantes e fugazes.
Enquanto o estado do “não entender” corria em disparada na mente daquela mulher
sempre imaginada, que ainda não soubera das grandes interpretações de suas
dualidades femininas e humanas, espalhavam-se trechos soltos de pedaços de vida
que ousara vivê-los em completa névoa da imaginação, aniquilando a substância
real que corria em seu corpo.
Entendera, sem anseios maiores, esgotada pelas finas teias das dualidades
individuais, que a construção das histórias é que moldam a vida que se leva,
com ela não seria diferente, tinha seu modo insano de encontrar as explicações,
mas forte, inconstante, inquebrantável, como a prisão obscura a que se
submetiam os marginais nas galés do século XIX ou aos trabalhos forçados nas
prisões da época, assim narra com riqueza de detalhes Victor Hugo e Oscar
Wilde, que viveram e sofreram na alma os trágicos acontecimentos de suas tramas
criadas e vividas.
Como um ato telepático pudera entender que a solidez daquelas palavras
imaginadas, vindas daquele homem de suor nobre e cheiro marcante, esculpia,
misteriosamente, a cumplicidade do que se entende por laços de família.
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